Sunday, March 6, 2016

GURGEL: O ENGENHEIRO QUE VIROU CARRO

Sonhador, visionário, patriota, empreendedor e inovador, Gurgel estendia para os projetos sua visão de mundo

João Amaral Gurgel


Sete anos atrás, em janeiro de 2009, falecia o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, aos 83 anos, depois de mais de uma década prostrado pelo mal de Alzheimer. Gurgel foi o último, talvez o único, pioneiro de uma indústria automobilística de raízes brasileiras. Tão sonhador quanto empreendedor, era personalista, carismático, polêmico e visionário. Construiu o único automóvel 100% nacional, o BR-800, que depois evoluiu para o Supermini. Bem antes da atual moda dos carros com decoração off-road, fez sucesso construindo jipes de fibra de vidro com tração traseira e mecânica VW.
Gurgel Ipanema
Gurgel e seu Ipanema, bugue de quatro lugares que ganhou fama de bom de terra | Crédito: QUATRO RODAS
João Gurgel gostava de lembrar a história de seu trabalho de graduação, quando se formou pela Escola Politécnica de São Paulo, em 1949. Segundo ele, ao apresentar o projeto de conclusão de curso através da fabricação de um carro popular adaptado às condições brasileiras, o Tião, teria ouvido de seu orientador: “Gurgel, carro é algo que não se fabrica, carro se compra”. Formou-se com o projeto de um guindaste, mas não se convenceu. Era teimoso o engenheiro Gurgel.
QR 589 Gurgel 01
Gurgel (ao volante) começøu fazendo minicarros para crianças | Crédito: QUATRO RODAS
De sua fábrica, inicialmente em São Paulo, na avenida do Cursino, e depois na cidade de Rio Claro (SP), saíram 40000 carros em quase 25 anos de produção ininterrupta. Exportou para quase todos os países latino-americanos, incluindo Nicarágua, Jamaica e Panamá, e até para a Arábia Saudita. Seus produtos sempre tiveram nomes com forte apelo nacional, de origem indígena, o que reforçava sua aura de nacionalista. Ipanema, Tocantins, Itaipu, Xavante, Carajás: palavras em tupi-guarani. A carroceria de fibra de vidro foi, e é até hoje, um forte apelo de vendas nas regiões litorâneas, mais suscetíveis à ferrugem.
Meu primeiro contato com ele, em 1975, foi chocante. Gurgel queria mostrar a resistência do sistema Plasteel (fibra de vidro em mantas, laminada sobre um chassi monobloco de tubos de aço de seção quadrada), que adotava nos seus jipes – e passou a atacar com um martelo a carroceria dos exemplares estacionados pelo galpão. Marteladas reais, possantes, vibravam na estrutura aparentemente incólume dos pobres automóveis, seguidas por fortes argumentos: “Experimente fazer isso em um carro comum”, disse ele.
Depois disso, colocou-me no banco de passageiros de um Xavante e passou a fazer diabruras numa pista semelhante às de motocross que havia nos fundos da empresa. Tudo foi um pouco assustador, mas convincente. Meu primeiro carro foi um Xavante XT azul de 1973, o segundo foi um Xavante X-12 1975, ambos de capota de lona. O primeiro carro zero que comprei foi um Tocantins TR 1991, o último de sua linha de montagem (vendido só no ano passado). Todos proporcionaram belas aventuras, pouca manutenção e as melhores lembranças por quilômetro rodado. Bem, luxo e conforto não eram prioridades, mas capota removível e bom desempenho na lama, sim.
Gurgel X-12
O jipinho X-12 só tinha tração atrás, mas se virava bem com a Selectraction, que travava a roda que girava em falso | Crédito: QUATRO RODAS
Gurgel começou fabricando minicarros infantis a partir de motores estacionários dois-tempos. Em setembro de 1969 lançou o Ipanema, um bugue de capota de lona com design moderno. Usava motor e suspensão de Kombi, mais reforçada que a do sedã VW. Ao ver que seus clientes o adquiriam para uso em estradas precárias e pela resistência à corrosão da fibra, transformou num jipe. Assim, surgiu em 1973 o Xavante, com desenho bem definido como off-road e pneus lameiros. Algumas versões traziam uma pá retrátil na porta. Todas traziam o estepe sobre o capô. A suspensão traseira já usava o sistema de semieixos com retorno limitado por coxins e cintas, além de molas helicoidais.
Fonte: Quatro Rodas

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